Todo filho de português, como eu, sabe o que significa sebastianismo. Trata-se de um sentimento nostálgico que Portugal e seu povo carregam n’alma. Uma vontade sincera de voltar a ser o que foi no século XVI: uma grande potência que carregava em seu DNA a globalização, mesmo na teimosia de afirmar que a pequena aldeia do interior do país era mais especial que qualquer outra metrópole internacional.
O filme Carlota Joaquina, primeiro grande sucesso nacional nos anos 1990, reforçava o preconceito e apresentava nas telas, ainda que em retrato épico, um Portugal soturno, triste, sombrio e religioso que era motivo de desdém das outras cortes europeias, onde se esbanjava luxo e joie de vivre. Ainda que Dom João VI tenha sido o único monarca a passar o pé em Napoleão Bonaparte, foi apenas no século XX que Portugal começou a mostrar que poderia voltar a ser grandioso e referência internacional em cultura e bem viver. Se, no passado, a “terrinha” era exemplo de turismo étnico, religioso e histórico, a história agora é outra.
Nos últimos 20 anos, assistimos a uma revolução no marketing de destinos. Do pó nasceu Dubai – com muito investimento, estratégia e excelentes trabalhos de relações públicas. Buenos Aires continua cool e vimos países, principalmente na Ásia e na África, que eram desprezados pelos jet setters e se tornaram destinos “must go” – muito por conta de autenticidade, sustentabilidade e diversidade.
E a Europa? Bem, a Europa envelheceu, com raras exceções – como Croácia, Malta e Espanha. Os casos mais emblemáticos são a Bélgica e a Alemanha. A Grã Bretanha foi a primeira a reverter a situação; a França continua trabalhando para ser multigeracional; Suécia e Noruega se apegaram ao design e à natureza para se mostrarem atraente. Mas, o caso mais bem sucedido, é Portugal.
Muita gente torceu o nariz quando Paulo Machado, então à frente do escritório de turismo português, começou a divulgar o surf e o jovem como atrativos do país. Portugal, para muitos, era a combinação de tradição, castelos e Fátima. Anos depois, quando o país decide apoiar eventos como o Fórum de Turismo LGBT, organizado pela Editora Via, muitos fizeram muxoxo.
Acontece que, assim como Israel, Portugal tem história e religião, mas tem também energia, sofisticação e plataformas de experiências múltiplas, além de uma vontade enorme de receber todo o mundo. O resultado é que Portugal, mesmo sem nunca ter feito parte do circuito Elizabeth Arden, é hoje o destino dos chiques e descolados.
É bem verdade que não foi apenas a promoção, muito estruturada em cima do slogan “Come as you are”, que fez do país um dos destinos mais premiados da atualidade. Tampouco foi o fato de Lisboa ter trabalhado para ser a capital europeia da cultura que fez da cidade a capital da boêmia no Hemisfério Norte. O responsável foi também – e sobretudo – o despertar dos empresários portugueses para a demanda internacional.
A estratégia de destacar as Pousadas (edifícios históricos utilizados para acolher, com a qualidade da marca Pestana) foi o primeiro passo, assim como aconteceu com os Paradores, na Espanha. Mas houve também a vontade dos hoteleiros em preservar a autenticidade portuguesa e a ela somar o que existe de mais sofisticado no planeta.
Um exemplo típico é o selo “Excelência de Portugal”, coleção que reúne nomes como o Palácio Estoril Hotel, o The Yeatman, o Hotel Vintage House e The Crest. Em resumo, oferece o acolhimento de uma casa portuguesa com o requinte transnacional. Ainda na hotelaria, Tivoli e Vila Galé têm investido muito em posicionamento de marca e inovação de serviços.
O investimento na enogastronomia foi outra ação intensa e recompensadora. O trabalho para promoção das vinícolas do Douro trouxe resultados mais rapidamente do que em outros destinos nos quais o vinho é rei. A TAP também fez a lição de casa. Do uniforme da tripulação, ao design do interior das naves, passando pelo entretenimento a bordo e tecnologia de check-in. Tudo remete a um país com tradição, mas olhar visionário.
Há quem tente explicar que o brasileiro vai mais a Portugal porque o idioma ajuda. Nem nossa elite fala bem inglês. Mas Portugal não virou referência apenas para nós. Hoje norte-americanos, chineses, japoneses e franceses elegeram o país como destino de férias e eventos. Com direito a repetição, inclusive.
E o Brasil com isso? Que tal abandonar o papel conservador e aprender com o país irmão, deixando de se mostrar retrógrado, machista e violento para o resto do mundo? O Brasil precisa retomar a imagem de acolhedor, respeitando os valores que turistas contemporâneos exigem de um destino: autenticidade, sustentabilidade e diversidade.
Atacar o turismo LGBT, querer reverter avanços na legislação em relação ao meio ambiente e proteção à vida, na legislação de armas e de trânsito são atitudes que afastam os viajantes conscientes que abominam turismo predador.
Está na hora do nosso país ter, assim como os portugueses, o passaporte com visto e vistas para o futuro.
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